segunda-feira, 9 de abril de 2012

Tá com frio? Não se encolha ! Relato do cume do Fitz Roy por Antonio Nery




Falta 300 metros pro cume, resolvendo problemas de blocos, uma agarra move-se, caio 2 metros em um pequeno platô. A última proteção estava muito abaixo, por sorte foi um pouso suave, apenas cotovelo dolorido e segue tocando arriba. Meia hora mais tarde,  após 48 horas de escalada, estava apreciando a vista magnífica a partir do Campo de Gelo - Cerro Torre, El Chalten, Lagos, picos - num dia  perfeito e claro. Era 23 de fevereiro, 6:00hs da tarde. Duas horas antes os brasileiros Fabinho, Chiquinho, Erminio e Nativo ja tinham pisado no cume, eles fizeram a via Mate, Porro e Todo lo Demas no Pilar Casarotto. Foram 9 brasileiros que fizeram o Fitz neste dia.
Cheguei em El Chalten no dia 03 de fevereiro com o mau tempo, a temporada estava sendo boa em muitos aspectos. Boas janelas de bom  tempo, muita polêmica sobre a Rota Compressor no Cerro Torre, onde os Americanos arrancaram os grampos do Maestri – mandaram muito bem no meu ponto de vista, o  Cerro Torre está de volta à sua natureza! Temporada de tragédia também. A escaladora canadense Carlyle Norman perdeu a vida  alto na via Last Gringo Standing na Saint Exupery, devido à queda de um bloco. Uma equipe forte, com ajuda de helicóptero da Red Bull tentaram um resgate sem sucesso. Eles tiveram que recuar  devido ao mau tempo. Carlyle foi encontrada mais tarde  no glaciar na base de Saint Exupery. A família desistiu de resgatar o corpo.
As duas primeiras semanas de fevereiro, com tempo ruim, foram para fazer boulder e festa. Ratinho, que ja estava de cabeca feita, foi um dos companheiros de trago, ele ja estava com figado pra la de Bagda, mas da’-lhe Termidor (vulgo Terminator, vinho de caixinha). El Chalten oferece um  granito perfeito, muitos problemas com os graus  consolidados por muitos escaladores fortes de todo o globo. Anualmente, o Clube Andino El Chalten organiza um Festival de Boulder, com muitas atrações como slackline, comida, música, diversão e escalada. Tempo para ver os amigos e desfrutar de churrasco de cordeiro patagônico e mate. El Chalten é uma vila jovem fundada na década de 80, quando Argentina e Chile ainda lutavam pelo Lago del Desierto e  FitzRoy. Os nativos da regiao sao  os  Tehuelches e  deram o nome ao Monte Fitzroy de Chalten que significa "montanha que fuma". No início, eles acreditaram que Chalten era um vulcão devido à nuvem que sempre sopra como fumaca no topo.
Eu fui para a Patagônia apenas por três semanas e meia, o que nao é muito tempo. Normalmente, os escaladores passam 2 meses à espera de bom tempo. Acreditando na tecnologia de hoje as chances de sucesso numa escalada aumentam muito. Muito diferente do passado quando você apenas olhava para o céu. Sites como o NOAA e WindGuru  podem lhe dar uma confiança de quase 100% quando a janela vai vir. Duas semanas depois, após muitas Terminators, uma janela de um dia e meio, curta e fria, não o suficiente para tentar algo grande, mas o suficiente para ir para Guillaumet, um dos picos satélites do FitzRoy. Nós escolhemos a via Brenner-Moschioni 350m 6c, um cume massa, fendas perfeitas, granito amarelo. Cinco horas de caminhada leva a Piedras Negras,  acampamento que fica duas horas da base da Guillaumet. Subimos em 12 horas de acampamento a acampamento estilo alpino. Um bom começo, la de cima você tem a vista da Mermoz  e FitzRoy queparecem tão perto e do bonito glaciar do Paso Superior, alem da  Poincenot. Depois da escalada,  deixamos nosso equipamento pensando em voltar para tentar a face oeste da FitzRoy.
Hora de voltar para a vida del Pueblo. Chegando na cidade não deu  tempo pra pegar o vinho, uma previsao de cinco dias de tempo bom ja estava comecando. Era a longa "ventana" que estavamos esperando. Sem hesitar, descansamos por um dia, comemos aquele churrasco de cordeiro patagônico fornecido pelo nosso amigo  Claudio, morador de chalten dono do  Restaurante El Muro e tocamos arriba de volta pra Piedras Negras, agora muito leve e descansados.
Nosso plano era escalar a Afanassieff  2300m (1600m de escalada) 6c. Escalada longa de dificuldade moderada. Nos primeiros 800m a rocha e’ mais decomposta, muitos blocos soltos, resolução de problemas e um pouco de escalada mixta dependendo das condicoes, uma verdadeira aventura. Nós éramos cinco brasileiros, divididos em duas equipes, Formiga, Neto e Chuck, Fafa’ e eu, três sacos de dormir, um jet-boil e quatro cordas. Leve e rápido começamos a escalada na tarde de terça-feira, depois de 10 enfiadas  paramos para o primeiro bivaque.  O tempo estava bom, mas frio durante a noite, a temperatura chegava facilmente a -7. À noite podemos acompanhar as luzes de dois escaladores subindo pela Mate, Porro e Todo Lo Demas, via no Pilar Casarotto, eram dois norte-americanos do Bishop. Com certeza nao era para nos escalar de noite, com uma janela grande de tempo bom davamos o privilégio de ficar em nossos sacos de dormir para somente escalar ao disfrute do sol.
No Segundo dia na parede queriamos chegar ate o proximo bivaque. Escalamos o dia inteiro, uma placa vertical de 300m,  às vezes um pouco de terreno fácil, algumas enfiadas com um pouco de neve dura. Por volta de 22:30 chegamos no crux, uma fenda num diedro levemente negativo. Devido ao tempo, ao frio e a noite que chegava escalamos essa enfiada em artificial. Na nossa frente iam tres argentinos de El Calafate, Manza. Paula e Manu. O trio argentino praticamente estava sempre uma hora de escalada na nossa  frente. Faltava duas enfiadas geladas para o bivaque quando decidimos parar e bivaquear sentados desconfortavelmente mesmo. Podiamos ouvir os gritos dos argentinos que chegaram no bivaque bom: “Vengam! Hay espacio para todos!” Mas nesse momento ja estavamos enfiados nos sacos de dormir batendo os dentes.  Todos os cinco sentados juntos para se aquecer, com uma vista para o vazio ao lado da parte final da Supercanaleta, via em  gelo que foi escalada em 1968 por Fonrouge e Comesana. Hora para pensar nas condicoes de escalada na epoca, sem tecnologia de previsao do tempo e com roupas de lã, os verdadeiros pelo duro.
Como a Afanassieff fica na face oeste, o sol apenas batia nos após meio-dia, o que nos tornou realmente difícil começar na manhã seguinte. Depois de agitar os músculos, escalamos uma enfiada com neve ate o plato do bivaque. La estavam os argentinos, era um plato coberto de gelo. Paramos ai um pouco para nos reorganizar, comer, derreter um pouco de neve, reaquecendo da noite fria. Deste ponto para cima sao 400m de blocos fáceis, formações de gelo muito louca. O corpo está cansado mas ligado no modo escalada, subimos sem parar. De repente uma agarra gira, eu caio dois metros num pequeno plato de 2 metros quadrados. Sorte, porque a ultima protecao estava la pra baixo. Levanto com a roupa rasgada da queda, os dedos estao formigados do frio, segue o baile.
“Kmonn, you almost there guys!” Sao os Americanos que ja estao descendo do cume procurando o rapel. Ouvir as vozes dos parceiros revigora a energia, podemos ver o fim, ja era, subimo o negocio. Chaltennnnnn! @tchommmmmm! E’ quinta-feira 18:00, vista para o Lago Viedma, El Chalten, Campo de Gelo Continental, Macico do Torre, infinitos picos, glaciares e lagunas. O cume do FitzRoy é como uma meseta, há algumas notas sob umas pedras. Eu deixo la’ um carrinho do meu pequeno Harvey que estava de aniversario em alguns dias. Pra minha surpresa ja’ havia la’ uma pequena  F1 congelada. Tirei algumas fotos, celebramos e continuamos para rapelar a Franco-argentina na face sudeste.
A linha de descida não é fácil de encontrar, rapeis na diagonal, muito fácil de se perder, o que aconteceu 5 rapeis pra baixo. Seguimos uma linha de rapeis que nos levou a um lugar sem  saída, na direcao do glaciar de la Silla. Escureceu e decidimos parar para outro bivaque não planejado. O dia seguinte amanheceu com um mar de nuvens incrivel. Fizemos uma travessia para a direita e encontramos a linha novamente. Oito rapeis mais e estávamos na base da Franco-argentina. Neste momento havia tres coreanas se preparando para entrar na via, pedimos pra elas fixarem 120m de corda e rapelamos a rampa de gelo da Silla, o que nos fez poupar um pouco de tempo. Antes de descer a Brecha dos Italianos demos mais uma paradinha junto com os argentinos que agora estavam sem o fogareiro que derrubaram na parede. A Brecha e’ conhecida como um lugar perigoso para rapelar, muitos blocos soltos e muitos acidentes no passado. Mas passamos ai sem problemas. A Rimaya da brecha estava bem estranha devido ao final de temporada.
  Atravessamos o Paso Superior ate as covas de gelo e continuamos com intencao de chegar pra noite em Chalten, afinal e’ sexta-feira. Mas chegando no acampamento Rio Blanco decidimos dormir, no dia seguinte chegamos em Chalten pela manha. E da’-lhe Terminators, comemoracao. Nesta noite tava Rolando uma festa a fantasia. Sem parar no dia seguinte vou direto da festa pra rodoviaria pegar o ônibus pra El Calafate e  vôo de volta pra  Austrália. Com os dedos das maos e pes anesteziados entrei no avião muito feliz ... tudo fechou certinho na trip.


Muito importante escalar na Patagônia em cordadas de três ou mais, e’ mais seguro e um motiva o outro nas horas que mais precisa. O lugar não oferece nenhuma chance de resgate se o clima e’ ruim, nada pode dar errado.


Em 1976 Jean Afanasieff and Abert tentaram a linha junto com Patrice Bodin. Eles fixaram os primeiros 300 metros, e entao escalaram os restantes 1300m em estilo alpino. Alcancaram o cume no quarto dia. No terceiro e quarto dia eles escalaram no meio de uma tempestade que descreveram, “o ambiente e’ demoniaco, com a impressao de escalar com um 747 sobre nossas cabecas.” Eles desceram pela via fazendo 45 rapeis em dois dias. A ascencao deles foi muito significativa, um passo importante para a escalada na Patagonia devido ao desprendimento que escalaram com tao pouco equipamento, sem sacos de dormir, cordas fixas… Eles produziram um filme nesta escalada. Jean Fabre describes the conditions, “Je n’ai jamais connu de montagne plus réberbative que le Fitz Roy un jour de tempête. Si les Grecs de l’Antiquité avaient practiqué l’andinisme, ils auraient fait siéger Eole au sommet d’El Chalten et ca puissance aurait sans doute détrôné la foudre de Jupiter...”
Isso ai galera valeu, qualquer coisa tamos ai.
aanery@hotmail.com Facebook Antonio Nery
@tchommmmmm! Conexaooooo

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