quarta-feira, 6 de julho de 2011

Entrevista com a lenda Reinhold Messner

Excelente entrevista com a lenda Reinhold Messner.

EU CONTINUO SENDO UM ESCALADOR TRADICIONAL. Então pra mim escalada tem que ter 3 elementos: dificuldade, perigo e, o mais importante, exposição. Exposição significa que não tem possibilidade de ajuda vinda de fora. Quanto mais alto você estiver, no local mais remoto, e quanto maior a dificuldade do que vir adiante, maior a exposição. A escalada do Steve House com o Vince Anderson na montanha Nanga Parbat foi tão importante porque eles estavam sozinhos com total exposição. Se eles tivessem feito qualquer coisa errada eles não teriam chance de se salvar. Eu acho que apenas alguns escaladores entendem como e porque exposição é o ingrediente mais importante.

A ESCALADA EVOLUI com cada geração tentando mudar a ideia do que é considerado impossível tornando-o possível. Mas se você usar toda a tecnologia disponível, você pode fazer qualquer coisa, mesmo não sendo escalador. O impossível não esta lá. Nos deveríamos aceitar a ideia que algumas coisas devem se manter impossível, mesmo daqui a um milhão de anos.

EU GOSTARIA DE REMOVER todas as competições de esportes ao ar livre. Competição não é uma coisa importante. O importante é aprender como se comportar na natureza selvagem.

A MONTANHA MAIS BONITA DO MUNDO não é a mais alta, ou a mais difícil. É pessoal. É sempre aquela que eu estou sonhando. No momento, é uma no Nepal. Mas eu não vou contar o nome.

MEU PAI foi professor e escalador entre as duas Guerras mundiais. Ele me ensinou como se comportar nas montanhas. Simples, mas importantes lições de respeito e sobrevivência. Nos éramos uma família grande com 9 crianças. A gente cresceu nas montanhas então é lógico que a gente queria escalar.

SEM FRACASSOS EU NÃO ESTARIA AQUI. A maioria das coisas que eu sei hoje eu aprendi através deles. Talvez o parceiro, o equipamento que não era apropriado, ou o treinamento - especialmente o treinamento mental que é o mais importante - que não era bom suficiente. Com sucesso, você nem sempre sabe o que deu certo, mas com a falha, é bem claro o que deu errado. Dai você pode fazer mudanças e aprender.

NÃO ME TORNEI BEM SUCEDIDO na minha área porque eu sou melhor ou mais inteligente que os outros. Não, eu me tornei bem sucedido porque tive força de vontade, de fracassar e depois tentar de novo, e de novo, e de novo.

CADA GERAÇÃO TEM A OPORTUNIDADE de definir os maiores feitos, e os escaladores que os fazem são os escaladores que se sobressaem. A história da escalada não é nada mais que dizer o nome da escalada chave da época. Mont Blanc em 1786. O Matterhorn em 1865. Face norte do Eiger em 1938. Face Rupal direta do Nanga Parbat em 2005. Mas é impossível comparar escaladas dos anos 30 com anos 70 com hoje em dia. Cada escalador é peça chave do seu tempo e não fora dele. Não tem como dizer este é "o melhor feito na escalada” ou “esse é o melhor escalador” de todos os tempos. Isso é bobeira.

HOJE EM DIA É DIFÍCIL DIZER quem é o escalador mais relevante, porque tem tantas disciplinas. Escalada em Rocha deve ser o Chris Sharma, mas quem sabe também o Adam Ondra. No alpinismo clássico por pelo menos 15 anos foi Alex Huber. O mais criativo em escalada de alta montanha, nos últimos anos é o Steve House.

No Nanga Parbat
Campanha da Rolex
Foto recente

QUANDO AS PESSOAS ME DIZEM que me consideram o “melhor de todos”, isso me demonstra que eles não sabem nada de história. Teve um tempo entre 1975 e começo dos 80, que eu estava liderando e contribui para escalada juntamente com Peter Habeler. Nós tivemos que inventar uma nova abordagem pro montanhismo, e por alguns anos nós éramos os únicos a escalar assim porque mais ninguém tinha experiência pra escalar uma montanha “de forma justa”. Mas os escaladores Eslovenos e os Poloneses nos alcançaram bem rapidamente.

EU ERA UM GRANDE ADMIRADOR DO TOMAZ HUMAR. Ele era com certeza o escalador de alta montanha mais relevante nos anos 90. Ele arriscava bastante. Eu ainda não entendi o que aconteceu com ele no Langtang Lirung. Fiquei sabendo que ele estava interessado em se tornar político. Acho que o foco dele não estava na montanha onde ele morreu.

EU CONHEÇO DAVID LAMA muito bem e não vou falar mau dele.

POLÍTICA É O OPOSTO DE MONTANHISMO. Numa montanha é cada um por si, num mundo de Anarquia, com a chance de experimentar como era 100 mil anos atrás, quando os Humanos eram animais selvagens e não dependentes do mundo social. A figura mais forte do grupo de escaladores decide o que fazer, como continuar. Como escaladores somos inventores dos nossos próprios objetivos e sozinhos devemos decidir como alcança-los. Não tem mais ninguém lá. Ninguém pra controlar. A gente faz coisas extremas, perigosas e ninguém pode dizer o que é certo ou errado. Sem repugnância moral. A gente tem só nossos instintos sobre comportamento humano, e no final nós somos nossos próprios juízes.

A ARTE DA POLÍTICA É COMPROMISSO, e se você está comprometido cada minuto na montanha, você não vai muito longe.

RESPONSABILIDADE SE APRENDE nas montanhas, não aqui na sociedade. Aqui a gente põe a maior parte da nossa responsabilidade nos outros. A gente tem Seguro. Nas montanhas, suas atitudes são diretamente ligadas com suas responsabilidades.

SUCESSO ESTA BASEADO EM ACHAR O PARCEIRO CERTO. O parceiro tem que estar disposto a escalar. Você não necessariamente precisa de um amigo, apesar de que seria melhor. Você não precisa nem de um parceiro com o mesmo nível de habilidades. O que é mais importante é identificação mutua com o objetivo. Se você levar alguém que não esta disposto, alguém que por acaso é cético, o risco é muito grande porque sua responsabilidade é muito grande. A responsabilidade está desbalanceada. Responsabilidade tem que ser dividida entre você e seu parceiro.

TALVEZ EU FUI SORTUDO, mas eu tive parceiros muito bons. Entretanto eu confio nos meus instintos pra escolhe-los. Eu tive que achar parceiros diferentes pra objetivos diferentes: escaladas em rocha, alta montanha ou travessias no deserto.

A VIDA DEPOIS DA MORTE É ALGO que a gente não tem instrumentos. A gente não pode entender com a nossa inteligência, nem ver com os nossos olhos, ou sentir com o nosso nariz. Nossos instrumentos foram concebidos para compreender este mundo. O que tem no além é além. Eu não penso nisso.

MORRER É A COISA MAIS FÁCIL. Eu já estive perto da morte antes, bem perto, e nestes momentos eu nunca senti que a vida depois da morte fosse importante. Você vai fazer o que puder pra viver, mas se você esta realmente perto do fim, dai é como, “ beleza, estou feliz, acabou”.

O ARTIGO MAIS INTELIGENTE escrito por um escalador é “Artificial Aids on Alpine Routes” do Paul Preuss [corajoso alpinista Austríaco, 1886-1913]. Preuss foi um desses escaladores originais que adotou e se empenhou na ideia da “escalada justa”. Uma das coisas que ele escreveu é que você nunca deve bater um piton, nunca.

QUANDO EU ESCREVI “ASSASSINO DO IMPOSSÍVEL”, em 1971, eu recebi uma carta de uma senhora de 96 anos que disse ter sido namorada do Preuss. Ela me mandou o martelo de piton dele. Sim, ele tinha um martelo só pra caso de emergência. Ela disse que um dia eu deveria dar o martelo pra algum escalador que pensasse assim como Preuss e eu. Eu tenho esse martelo guardado na minha adega por todos esses anos, e sempre soube que um dia eu teria que fazer alguma coisa com ele.

ESSE MARTELO foi o ímpeto para a construção do Messner Montanha Museu, uma coleção de 5 prédios diferentes dedicados aos diferentes aspectos das montanhas, escaladas e cultura. Eu considero essa construção a minha “sexta vida” e quando estiver acabado nesse verão, eu serei livre novamente, e uma nova vida vai começar. Eu gostaria de contar historias de montanhas nas grandes telas de cinema.

VOCÊ JA VIU “LIMITE VERTICAL”? Eu achei horrível.

NOSSOS INSTINTOS HUMANOS vão diminuindo conforme a gente passa menos tempo na natureza selvagem: tempestades, frio, nevoeiro, pedras soltas, aventura. Escalada é uma importante e sagrada oportunidade de viver situações que a gente encarava cem mil anos atrás. A parte animalesca dos humanos. Nossos instintos são elementos importantes da nossa inteligência.

QUANDO EU TINHA 20 ANOS, eu não acreditava que a vida que eu vivi poderia ser possível. Eu não achava que poderia ser possível ser escalador profissional. Eu me tornei escalador profissional. Eu me tornei escalador de alta montanha, um aventureiro. Virar político foi o mais fácil, e eu fui por 5 anos, e depois disso ficou chato.

O QUE EU FALO PARA OS JOVENS é que se você identificar seus objetivos, e ter a força de vontade pra vencer as dificuldades - e elas sempre vão existir - e se você achar as pessoas certas pra te ajudar, você será vitorioso.

Fonte: www.extremos.com.br

Um comentário:

Miriam Chaudon disse...

Bacana esta entrevista! O cara é muito bom mesmo!