terça-feira, 12 de abril de 2011

Cochamó: Mucho granito arriba !

Por Vanessa Staldoni

 Demorou mais de um mês mas saiu. Aí está o longo post sobre Cochamó, no Chile.

A viagem começou dia 10 de janeiro de 2011 às 4h da manhã quando Seco e eu acordamos para ir ao aeroporto. Havíamos dormido umas duas horas apenas. Tanto ele quanto eu estávamos ansiosos pela viagem e nessas horas de ansiedade o sono realmente não tem vez. A viagem foi tranquila. Eu, com muita sorte, peguei janela nos três trechos. No finalzinho do trecho São Paulo – Santiago, eu estava curtindo a paisagem das videiras de Mendoza, na Argentina, um desertão plano. De repente começam a surgir as primeiras elevações e, em seguida, as primeiras montanhas com neve. É o meu primeiro contato com a cordilheira dos Andes. As montanhas vão se tornando cada vez maiores assim como a quantidade de neve. Admirar a cordilheira de cima é uma das visões mais lindas que eu já tive. Não consegui conter a emoção. Nesse momento caiu a ficha do lugar para onde eu estava indo e do privilégio de estar ali. Foi inevitável, algumas lágrimas rolaram dos meus olhos.

Não é de se emocionar?

Chegando à cidade de Puerto Montt, fomos muito bem recepcionados na Hospedaria Costanera, de Dona Tereza. Ficamos mais dois dias na cidade, na função de encontrar o Tiago e o Robledo, comprar equipamentos e comida e organizar as tralhas.

O encontro dos "terroristas", atacando a primeira torre.

Eu no momento consumista.
No bidão de mantimentos não poderia faltar vinho!

No dia 13 de janeiro finalmente pegamos o ônibus para Pueblo Cochamó. Em três horas chegamos ao nosso destino, arrumamos as mochilas no lombo dos cavalos e iniciamos a subida até o Vale Cochamó. Quatro horas de trilha, não muito íngreme, mas muito embarrada, e chegamos ao nosso acampamento base, nossa casa por um mês. Fomos recebidos por um pôr-do-sol magnífico. Eu me deitei no gramado do camping e fiquei admirando o lugar. Incrível: paredes imensas, o verde da mata, o céu azul e o som do rio, tudo muito puro e, ao mesmo tempo, selvagem.

Nossas mochilas no ônibus para Pueblo Cochamó.

Arrumando as mochilas nos cavalos.

Trilha do Vale Cochamó.

Trilha do Vale Cochamó.
No primeiro dia decidimos não escalar para poder descansar da trilha do dia anterior e conhecer melhor o lugar. Foi um dia lindo, de sol, tomamos banho (gelado) no rio, conhecemos os outros escaladores que estavam no camping e conhecemos também o Refúgio Cochamó. Fomos muito bem recebidos pelo casal de donos Daniel Seeliger e Silvina Verdun e seu adorável filho Zenon, de apenas cinco anos e que fala inglês e espanhol com fluência! No final do dia planejamos a escalada do dia seguinte: aclimatação nas paredes mais próximas do camping.
Acampamento base.

Refúgio Cochamó.

Banhos gelados.

Slack line.
Tirolesa para atravessar o rio Cochamó.

La casa vieja e o Cerro La Junta ao fundo.
Bem, não esperávamos os oito dias consecutivos de chuva a partir daí. Já tínhamos consciência que Cochamó é um lugar que chove muito, mas não esperávamos TANTA chuva. Nesses dias o tempo parece passar a passos lentos, cada hora dentro da barraca parece uma eternidade. Ainda bem que levei bastante livros e revistas de cruzadinhas. Às vezes dava até raiva do lugar, vontade de voltar para casa, vontade de estar de férias em alguma praia do Brasil, num lugar seco, vontade de tomar banho (ficamos um bom tempo sem banho) e, principalmente, vontade de VER O SOL! Com essa experiência aprendi uma lição: a ter paciência com o clima patagônico. Isso é muito importante para um montanhista que queira se aventurar nessas belas mas selvagens montanhas. Alguns dias a chuva dava uma trégua e o tempo ficava apenas nublado por alguns instantes. Nesses dias fomos até as paredes secas, um setor esportivo de Cochamó, muito legal por ser protegido da chuva por um grande teto. Foi a nossa salvação durante esses longos dias úmidos. Vias curtas, de qualidade, com proteção fixa, porém bastante duras.
Intermináveis dias na barraca.

Chuva: companheira de muitos dias.

Os meninos passaram grande parte do tempo jogando general.

Trilha para as paredes secas.

Seco nas paredes secas.

Robledo escalando nas paredes secas.
Até os animais gostam de um sol

Eu escalando nas paredes secas.

O primeiro dia de sol foi uma festa! Ah, como é bom o sol...Todo o camping colocou as coisas para fora das barracas, parecia uma favela! Dia de tomar banho, lavar roupa, fazer festa e se preparar para a primeira escalada em parede. Todos os montanhistas de Cochamó, inclusive nós, decidiram subir para o vale do Cerro Trinidad.


Tudo pra fora.

Festa do alemão Florian com direito a um assado.

Tirando o mofo de tudo.
A trilha é bastante dura, ainda mais para quem sobe com as mochilas carregadas como nós fomos. 5 horas de subida. Montamos acampamento bem na base do Trinidad, impressionante! Eu, sinceramente, nunca havia visto tanta rocha por metro quadrado, hehehe. Essa montanha tem, mais ou menos, 1000 metros de altura do mais puro granito. Lindo de se ver. Nesse momento pude entender porque o Daniel batizou sua via de Bienvenidos a mi insomnio (Bem-vindos a minha insônia, em espanhol). É impossível dormir relaxado sabendo que no dia seguinte você enfrentará o “gigante de granito”. E foi nessa via que decidimos entrar. 20 enfiadas de corda, totalmente no estilo livre, com crux de 7a. Não era nossa intenção fazer a via até o final naquele dia por várias razões: 1ª: tinha umas três cordadas querendo entrar na via, 2ª: nenhum de nós está acostumado com vias tão longas 3ª: a chuva não nos deu oportunidade de aclimatar nas paredes menores e 4ª: eu não era a parceiria ideal para o Seco nessa via. Conheço muito bem os meus limites e sei que não poderia revezar guiadas com ele numa via de 7a toda em móvel. Entramos sem compromisso na via, já que dava para rapelar por ela até a 16ª enfiada de corda, e deu pra conhecer bem o estilo de Cochamó: 150 metros de escalaminhada até a base da via (medo!) e três enfiadas de corda aquáticas, a quarta enfiada era um dos cruxs de 7a, molhado, esquisito, ruim de proteger, ou seja, descemos daí. Eu queria muito escalar a Pedra do Gorila, uma montanha linda. Nela existe uma via chamada Mister M conquistada pelo brasileiro Sérgio Tartari e companhia, totalmente limpa, sem nenhuma chapa, com 11 enfiadas de corda. Soube que as brasileiras Roberta Nunes e Karina Filgueiras haviam escalado essa via, então fiquei ainda mais curiosa. Mas o tempo fechou outra vez e decidimos descer para o acampamento base. A Pedra do Gorila ficou para uma próxima, quem sabe quando...

O gigante de granito: base do Cerro Trinidad.

Pedra do Gorila.

Amanhecer na base do Trinidad.

Seco no início da segunda enfiada da Bienvenidos.

Eu no final da segunda enfiada da Bienvenidos.

Eu sofrendo na terceira enfiada molhada da Bienvenidos.



Admirando o Trinidad.

Nos próximos três dias chove de novo. Depois que a chuva para, deve-se ter paciência ainda para esperar a pedra secar, mais uns dois ou três dias e ela se torna escalável. Aproveitamos os primeiros dias de sol para escalar nas paredes secas e fazer a trilha até o cume do Monte Arco-Íris. Essa última eu fiz sozinha em um dia de TPM, hehe. A trilha realmente é dura, muito íngreme com trechos bastante expostos onde os caminhantes devem se puxar por cordas em paredes verticais e molhadas (que medo!). Depois de três horas e meia de subida ainda tem um belo trecho de caminhada em acarreio até o cume (quem conhece sabe que é “tudo de bom”). Caminhei uma hora pelo acarreio em direção ao cume e foi aí que vi neve pela primeira vez na minha vida. Espetáculo! Tirei muitas fotos, brinquei na neve, bebi água de degelo e aproveitei para dar uma descansada. Meu joelho já estava doendo e o tempo começou a fechar. Faltava um pouco ainda para o cume, mas, por esses motivos, resolvi descer. 4 horas de descida, que sufoco! Cheguei exausta ao acampamento, tomei um Dorflex e fui dormir, hehehe!!







Já havíamos passado mais da metade do tempo de estada em Cochamó. Nosso objetivo, agora, era escalar as vias mais próximas do acampamento: Apnea, no Cerro La Zebra, e Camp Farm, no Cerro La Junta. O Seco, o Luiz (mineiro que conhecemos lá no camping e que se tornaria meu parceiro no Frey mais tarde) e eu entramos na Apnea, junto com o Robledo e o Tiago que formaram outra cordada. Linda via, duas enfiadas de pura fenda. A primeira, onde estava o crux de 6sup, o Seco guiou. A segunda era só desfrute: uma linda fenda de mãos e de dedos, ótima de proteger e de escalar, um 5sup, eu disse que queria guiar. E essa foi a minha primeira via em móvel! Na noite teve janta e vinho para comemorar a escalada.

Seco na fenda chata da primeira enfiada da Apnea.
Eu na primeira enfiada da Apnea.



Guiando minha primeira via em móvel




 
No penúltimo dia de Cochamó entramos o Seco, o Tiago e eu na via Camp Farm, no Cerro La Junta. A via é graduada em 7a (crux de rampa) e tem sete enfiadas de corda, totalizando 300 metros de escalada, que não é nada perto dos 1000 metros de altura do Cerro La Junta. O Seco começou os trabalhos guiando a primeira enfiada, que é o crux, 62 metros de rampa lisa, onde o psicológico pega muito forte devido a falta de agarras e a exposição. A segunda enfiada ficou por minha conta guiar: uma rampa novamente de 45 metros, bem mais tranquila do que a primeira, mas adrenante pela exposição. A terceira enfiada o Tiago guiou, que é um quarto grau em móvel, que fizemos super rápido. Na quarta enfiada o bicho pega. Deixamos para o Seco guiar o off with medonho com uma rampa no final que parecia um vidro, tão liso que nem o solado Stealth parava. Horrível, o Tiago e eu, mesmo de segundos, passamos no maior sufoco. A quinta enfiada é um diedro fendado lindo que o Tiago guiou. Aí eu já senti que já estava bem cansada. A enfiada não estava difícil, mas eu passei trabalho pelo cansaço. Não só da escalada (que estava bem exigente) mas o dia inteiro no sol escaldante cansa também. Como estava ficando noite e não queria atrasar, resolvi ficar esperando na quinta parada os meninos concluírem a via. Foi estranho ficar algumas horas sozinha, com aquela imensidão de montanhas ao meu redor, ver o sol se pôr e a lua nascer, deu para refletir bastante. Iniciamos o rapel à noite e, para azar, uma das cordas trancou. Devido ao cansaço e ao avançado da hora, os meninos resolveram resgatar a corda só no dia seguinte. Chegamos ao acampamento 01:30 da madrugada.

Seco na primeira enfiada da via Camp Farm.

Eu na segunda enfiada.


Seco no off with da quarta enfiada.


Eu dando seg pro Tiago no início da quinta enfiada.
Tiago no crux da quinta enfiada.

No último dia de Cochamó, um lindo dia de uma grande janela de tempo bom que estava aberta, aproveitamos para tomar banho, lavar roupa e acertarmos as contas. Mas ainda tinha um problema a resolver: a corda que ficou presa na Camp Farm. Quando os meninos já estavam se preparando para sair, surgem os americanos Chris e Grant que estavam prontos para entrar na Camp Farm. O Tiago perguntou se eles poderiam resgatar nossa corda e eles falaram que sim. Ficamos super felizes, pois seria dureza ter que escalar a via até a quinta enfiada de novo. Para recompensar os americanos, preparamos uma janta para eles. Eu comandei a cozinha e preparei um belo estrogonofe, com arroz, massa e purê de batatas. Os americanos ainda trouxeram vinho e bolachas com doce de leite para a sobremesa. Nossa, que fartura! Essa foi nossa última noite no camping, super agradável.
Dia de partir. Não gosto de olhar para trás quando estou indo embora de algum lugar, mas lembro muito bem da minha última visão do vale: olhei para a parede La Zebra e procurei a linha da via Apnea. Senti que tinha evoluído uma etapa na minha vida de montanhista, uma nova visão, novas experiências que surgirão a partir dali. Rapidamente, um resumo dos últimos 26 dias passaram pela minha cabeça e tive a certeza de uma coisa: valeu a pena!
Em breve relato com fotos sobre o Frey, na Argentina. Hasta la vista!


Fotos: Rafael Seco, Tiago Santos e Vanessa Staldoni.

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